Morreu Chiquinha Gonzaga, sacerdotisa da Arte, um grande nome imortal em 1935

Periódico Brasil Feminino, março de 1935*

IN MEMORIAN

Maestrina Francisca Gonzaga

Com a morte de Francisca Gonzaga perde o Brasil uma das mais brilhantes figuras representativas da arte musical.
A grande maestrina que desaparece velhinha como um astro que se foi escondendo lentamente por detrás das distantes montanhas, depois de ter iluminado a terra com a intensa claridade de sua luz criadora, era, na acepção da palavra — Uma Artista. Toda a sua mocidade, toda a sua alma, todo o seu invejável talento, toda a sua vida, enfim, ela deu em holocausto a Arte divina da Música e com as sete expressões melódicas dos sons compôs poemas, odes, endeixas, romances, madrigais, tudo o quanto a poesia costuma criar dentro da formula sagrada do verso!
Brasileira, autenticamente brasileira, Chiquinha Gonzaga impregnou toda a sua arte com o ritmo ora lírico e sentimental, ora selvagem e bravio da alma da nossa terra, e ninguém soube melhor do que ela prender entre as cinco linhas da pauta musical, as vibrações dos nossos sentimentos nativos, a singeleza da nossa lírica indigna, bárbara mas real, espontânea e suave como a luz dos nossos luares penetrando os segredos das matas virgens dos nossos sertões infindos; as explosões violentas do nosso espírito aguerrido que sonha com vitórias retumbantes e realiza bravura de heroísmos singulares; a doçura do nosso amor caboclo, murmurante como fontes escondidas no âmago das serras bravias, e forte como os jequitibás gigantes, e ninguém soube como essa privilegiada artista harmonizar para os conjuntos orquestrais os rumores das nossas florestas, os cânticos dos nossos pássaros, os gemidos das ondas dos nossos mares verdes, o cantar das nossas cachoeiras brancas, e o falar suave da nossa gente do mato, gente que tem o coração nos lábios sempre úmidos de mel!
Morreu Chiquinha Gonzaga, mas morreu gloriosamente, porque simples mulher fez-se sacerdotisa da Arte para legar a Pátria uma grande obra artística e um grande nome imortal.
BRASIL FEMININO, rende a memória da grande Artista, sua mais sentida homenagem.

* a data deste periódico na Hemeroteca Digital consta do ano de 1933, mas Chiquinha Gonzaga morreu em 28/02/1935. Por se tratar de um texto em memória a compositora, sugerimos a data de 1/03/1935.

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