Acervo Digital Chiquinha Gonzaga

Diferentemente da sua história biográfica, mais de 95% da obra de Chiquinha Gonzaga ainda se encontrava desconhecida e inacessível, deixando uma lacuna misteriosa nesta parte da história sobre o nascimento da identidade musical brasileira.

A grande notícia é que, desde em 2011, foram recuperadas mais de 280 músicas para piano solo e piano e canto de sua autoria e disponibilizadas gratuitamente no site Acervo Digital Chiquinha Gonzaga. Este recorte da obra fundamental de Chiquinha receberá nova edição, com revisão musicológica de Alexandre Dias. Comentários serão inseridos nas partituras pela biógrafa de Chiquinha, Edinha Diniz, trazendo à luz, informações inéditas sobre os bastidores da sua pesquisa. As partituras receberão padronização visual e serão formatadas em duas versões: original, utilizando como base sua 1ª publicação e manuscritos, e, com a inserção de cifras, facilitando o acesso a um maior número de músicos.

Tudo isso só foi possível graças a uma história de comprometimento com a memória da compositora, iniciada por João Batista Fernandes Lages (Joãozinho, assim chamado por Chiquinha, seu último companheiro e foi quem organizou todo o acervo pessoal da maestrina), a folclorista Mariza Lira em 1939, e aperfeiçoada e revisada posteriormente pela biógrafa Edinha Diniz, resultando em inúmeras iniciativas que vêm mantendo vivo e presente o nome Chiquinha Gonzaga através dos tempos e gerações.

O site ChiquinhaGonzaga.com faz parte desta história. Há mais de 11 anos no ar, divulga informações sobre a maestrina e coleciona admiradores e parceiros pelo Brasil e pelo mundo.

Wandrei Braga e Alexandre Dias, pianistas e coordenadores do Acervo Digital, 2011. Foto: Cintia Coelho
Em 2009, encantada com o repertório pouco conhecido de Chiquinha Gonzaga, a professora de piano e também pioneira, Neusa França, organizou na Embaixada de Portugal, em Brasília, um recital que chamou de “Saudades de Chiquinha Gonzaga” com a participação de mais de vinte pianistas convidados, entre eles Alexandre Dias e Wandrei Braga, criador do site ChiquinhaGonzaga.com. Nesta ocasião, e aproveitando o encerramento do projeto de recuperação da obra de Ernesto Nazareth em que Alexandre Dias trabalhou como revisor musicológico, Wandrei e Alexandre deram início à realização de um sonho há muito desejado: iniciaram a elaboração e articulação de um projeto que também recuperaria a obra de Chiquinha Gonzaga.

O projeto Acervo Digital Chiquinha Gonzaga, consequência dessa história sobre a preservação da memória de Chiquinha, foi aprovado pelo Edital Nacional do Natural Musical em 2010, regido pela Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, sendo um dos quatro aprovados, dentre 860 projetos apresentados. Acreditamos que as parcerias envolvidas na composição do projeto foram fundamentais para esta importante conquista: Instituto Moreira Salles (mantenedor do acervo Chiquinha Gonzaga); Edinha Diniz (Biógrafa de Chiquinha Gonzaga); ChiquinhaGonzaga.com (website dedicado à maestrina desde 1999); Portal Musica Brasilis (realizador do projeto semelhante com a obra de Ernesto Nazareth), Alexandre Dias (revisor musicólogo da obra completa de Ernesto Nazareth) e a Escola Portátil de Música – EPM (escola especializada no ensino de Choro, com mais de 800 alunos). Tudo isso somado à dedicação de uma equipe comprometida e envolvida sentimentalmente com o projeto.

Acesse: www.chiquinhagonzaga.com/acervo

Alexandre Dias, Coordenador/revisor musicólogo/pesquisador/pianista
Wandrei Braga, Coordenador/designer/pesquisador/pianista
Ana Carolina Pereira, Gerente de Projeto/ Integrar Produções Culturais e Eventos
Cíntia Coelho, Design Flambado
Douglas Passoni, músico especialista em digitação musical

Chiquinha Gonzaga renasce nos dedos de jovens pianistas

por Nyldo Moreira,  18 de novembro de 2011

Não teria sido possível realizar um encontro entre Chiquinha Gonzaga e os jovens pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga, pois antes mesmo que os dois poetas das teclas tivessem vindo ao mundo, a primeira mulher a compor uma canção no Brasil deixara os saraus da vida, para os do céu. Foi aos onze anos de idade, que Chiquinha começou a compor, e agora, em 2011, os pianistas Alexandre e Wandrei reuniram, junto ao Instituto Moreira Salles, um acervo digital da compositora, e o lançaram nas cidades do Rio de Janeiro, Brasília e encerraram em São Paulo.

Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha Gonzaga, nasceu no ano de 1847, filha do general do Exército Imperial Brasileiro com uma humilde negra, que passou-lhe nos genes o gosto pelos ritmos populares, entoados em rodas pelos escravos. Chiquinha frequentava os encontros destes povos e buscava inspirações para suas futuras obras. A primeira mulher a se expor tocando um instrumento e compondo canções separou-se do primeiro marido e foi impedida de criar os filhos menores, ela passou a tocar em troca do sustento do filho mais velho, o que pôde criar.

Chiquinha introduziu as mais influentes partituras no teatro brasileiro e fundou a Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais, ao todo ela compôs 77 músicas para peças. O pianista Alexandre Dias, em sua apresentação em São Paulo deixou a força de Chiquinha Gonzaga tomar-lhe no palco e interpretou uma dessas peças, tocando a introdução do primeiro ato de “Fantasia”, o que lhe rendeu ovação e muitos aplausos. Aquela interpretação foi além do que se pode emocionar, o pianista compactuou com a compositora o mesmo talento em frente a um piano, e demonstrou a afinidade com as teclas e a paixão que sente por elas.

Chiquinha Gonzaga adentrou com suas composições no Palácio do Catete, sede do Governo brasileiro no Rio de Janeiro. Ela era amiga da primeira-dama Nair de Tefé, que casou-se com o presidente Hermes da Fonseca. Chiquinha foi duramente criticada por tocar um maxixe nas dependências do Palácio, e mesmo assim tornou esplêndido diversos ritmos que fizeram sucesso em seus dedos pelas teclas, as polcas, valsas, tangos, fados, lundus, quadrilhas e serenatas, além do choro, que marcou sua carreira a intitulando como primeira chorona brasileira. As canções “Linda Morena” e “Carijó” foram relembradas por Alexandre Dias, com total maestria.

O pianista Wandrei Braga calou-me de emoção e deixou meus ouvidos chegarem ao piano que posto sobre o palco vazava aquela famosa composição de Chiquinha, “Lua Branca”, também trouxe ao teatro as canções divinas “Agnus Dei”, “Ave Maria” e “Prece a Nossa Senhora das Dores” em adaptações para piano solo. Os olhos de Chiquinha Gonzaga passeavam pelo palco celebrando-se no cenário ao fundo, que mostrava-nos silhuetas de partituras, frases e fotos da compositora. A polca “Atraente”, grande sucesso, contagiava-me com a vontade de sair bailando pelo teatro. O sorriso tímido de Chiquinha era quase igual a timidez de Wandrei, que cada vez que olhava para o público buscava o fôlego vivaz para mais uma canção que beijava o lindo piano.

Ninguém jamais me fará tirar da cabeça que o piano é o mais lindo entre os instrumentos, ele é a regência de vorazes orquestras e o coração destes dois pianistas, Alexandre Dias e Wandrei Braga, que deram mais uma vez os merecidos aplausos e méritos a Chiquinha Gonzaga. Ontem (17) o suntuoso Teatro Humboldt estava vazio, mas ganhou as poltronas com cada nota que corria as fileiras. É uma pena que a cultura ainda atinja poucos, e a informação sobre estes eventos não seja valorizada. Os ingressos não custavam mais do que 10 reais, além disso um quilo de alimento substituía o valor.

O acervo digital, reunido pelos pianistas e o Instituto Moreira Salles, está livre para acesso e nele encontram-se as obras inteiras da compositora que estreou a música popular brasileira, no site www.chiquinhagonzaga.com/acervo. O projeto é incentivado pelo Ministério da Cultura e patrocinado pela Natura. Espero sempre os encontrar por todo canto, espelhando a musicalidade popular de Chiquinha Gonzaga e sua genial maestria de fazer música, regendo-se pelos galãs dedos de Alexandre e Wandrei. Assim como ela entrou pra história, os dois continuam tecendo-a e fazendo-a.

Texto publicado no blog Tangos e Boleros

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